O que movia Berta Cáceres
Publicado em 05 de março de 2016
A líder indígena hondurenha Berta Cáceres, co-fundadora e
coordenadora do Consejo Cívico de Organizaciones Populares e Indígenas
de Honduras (Copinh) desde 1993, foi assassinada nesta quinta feira, 3,
em sua casa. Por que?
Berta liderava a luta contra a construção da hidrelétrica de Agua
Zarca no rio Gualcarque, departamento de Santa Bárbara, noroeste de
Honduras.
Por que?
Agua Zarca está projetada sobre o território dos indígenas lenca,
etnia de Berta. De acordo com seu planejamento, a usina deverá secar o
rio Gualcarque, impossibilitando o cultivo das terras comunais indígenas
bem como a pesca e demais atividades dependentes do rio. As obras,
iniciadas em 2011, já destruíram grandes parcelas de agricultura
familiar e florestas, desencadeando um dos maiores movimentos indígenas
de resistência do país.
Licenciada pelo governo hondurenho logo após o golpe militar de 2009,
Água Zarca incorre, entre outros, nos crimes de desrespeito a:
– O
direito dos indígenas à consulta previa, livre e informada prevista pela
Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho
– Os
artigos 14 e 15 da Convenção 169 que estabelece os direitos das
populações indígenas de usar, proteger e conservar seu território
tradicional e seus bens naturais
– O artigo 8º da Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos das Populações Indígenas (UNDRIP), que
estabelece que os governos devem proteger as populações indígenas de
medidas que resultem na perda de valores culturais e da identidade
étnica
O
empreendedor da usina, Desarrollos Energéticos S.A (DESA), vem sendo
acusado sistematicamente de operar, em parceria com o governo
hondurenho, intimidação violenta, buscas ilegais em casas, ameaças de
morte, ações militares e policiais violentas e assassinato contra o
movimento indígena de resistência e suas lideranças. Em 2013, Berta foi
presa pelo exército e processada pelo governo por suas atividades
políticas; e no mesmo ano outro líder do movimento, Tomas Garcia, foi
assassinado por um militar.
Com a morte de Tomas, a hidrelétrica foi parcialmente paralisada, e a
região completamente militarizada. Inúmeras denúncias da Copinh e de
organizações internacionais de Direitos Humanos e ambientais foram
enviadas ao setor que, à parte do governo de Honduras e da DESA, é
responsável e beneficiário do projeto: investidores e fornecedores.
Receberam denúncias o CAMIF, braço do Banco Mundial e primeiro grande
financiador; a empresa chinesa Sinohydro, primeira operadora do
projeto; o Banco Centroamericano de Integração Econômica
(BCIE), co-financiador; o banco de fomento estatal holandês FMO,
co-financiador; o banco de fomento estatal finlandês Finnfund,
co-financiador; e a empresa alemã Voith-Siemens, fornecedora de
turbinas.
Em 2014, CAMIF e Sinohydro se desligaram do projeto em função do dano
à imagem que a repercussão das crescentes denúncias de violação e
militarização de Água Zarca atingiu. Os demais investidores e
beneficiários internacionais, no entanto, permaneceram. O BCIE com 24
milhões de dólares. O FMO do governo holandês, com 15 milhões. O
Finnfund do governo finlandês, com cinco milhões.
Ainda em 2014, a despeito da desistência do parceiro CAMIF, o FMO reagiu às denúncias da Copinh na imprensa holandesa com uma
nota
na qual declara que “considera as informações unilaterais, sugestivas e
incompletas (…) e não comprovadas por fatos”. E prossegue: “o FMO está
ciente que financiamos empreendimentos em Estados frágeis e que projetos
de infraestrutura podem suscitar resistências entre os atingidos”.
Nesta sexta, 4, diante da comoção mundial com o assassinato da diretora da Copinh, o banco soltou outra
nota,
lamentando o seu “falecimento” e os “eventos que ocorreram em Honduras e
que levaram à morte de Berta Cáceres (…). Nossos pensamentos estão com
ela e com os que ela deixa para traz”. Já a Finnfund, em sua
nota
de “pesar” divulgada também nesta sexta, lamenta a morte de Berta mas
argumenta que a resistência da Copinh tem elevado os níveis de conflito,
que a usina não causa impactos consideráveis sobre as comunidades e que
há um linchamento da empreendimento por parte da opinião pública. O
BCIE e a Siemens não se pronunciaram.
Nós, do Xingu Vivo, conhecemos Berta Cáceres há tempos. A reencontramos em outubro de 2015, na
WISER
– Cúpula Indígena Mundial sobre Rios e Meio Ambiente, na ilha de
Bornéu. Muito do que se passa em seu território, passa no nosso; a
começar pelas violações dos tratados internacionais, pela militarização
dos canteiros de obra (assim como a Força Nacional de Segurança se
instalou nos canteiros de Belo Monte, as forças armadas hondurenhas
operam de dentro das instalações da DESA em Honduras), ou pela ganância
das corporações transnacionais e pela criminosa leniência dos agentes
financiadores. Nós também estamos perdendo o rio que morre de sede e
falta d’água, também perdemos nossas terras, roças, cultura,
subsistências. Mas, apesar de termos perdido companheiros de morte
morrida, não os perdemos de morte matada.
Onde está o tribunal internacional para julgar e punir o FMO, o
Finnfund, o BCIE, a Voith-Siemens, o governo de Honduras, a DESA, por
nos terem nos tirado nossa irmã e companheira? Nem nos interessa saber
quem apertou o gatilho que a matou em sua casa. Se estes acima não
existissem, não tivessem criado Água Zarca, ela ainda estaria entre nós.
Porque somos sempre nós, os que vivem nos territórios mais bonitos do
Planeta, que devemos sofrer e morre em nome do “desenvolvimento”? Quem
se “desenvolve” às custas dos nossos mortos? Não é sempre a conta
bancária de outros, sempre os outros?
O capital nacional e internacional que matou Berta em Honduras tem
nome. Assim como o capital aqui no Xingu. Vamos nomear DESA, FMO,
Finnfund, BCIE, Voith-Siemens. Vamos nomear Norte Energia, Andrade
Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS, Engevix,
BNDES, Voith-Hydro, General Electric-Alstom, Andritz, Mapfre, IRB,
Allianz, Munich Re.
Assim como o nome de Berta Cáceres não morrerá nunca, o nome de quem
nos mata, rápida ou lentamente, também não será esquecido. Justiça já!
Movimento Xingu Vivo para Sempre